A estiagem e o impacto nos rios do Estado: uma relação direta com a preservação das microbacias hidrográficas

Micael Olegario
4 min readMar 16, 2023

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Foto área colorida de lago com água e vegetação rasa ao redor. Ao fundo montanhas e árvores.
Bacias hidrográficas são essenciais para abastecer rios — Imagem: frimufilms/Freepik

A estiagem que afeta o Rio Grande do Sul tem gerado uma série de preocupações com relação ao abastecimento de água. Segundo a Defesa Civil do RS, atualmente 378 municípios já decretaram situação de emergência por conta da estiagem. Cenário gerado pelo fenômeno do La Niña e agravado por fatores como as mudanças climáticas e práticas que geram a redução dos níveis dos rios da região.

A dificuldade em conseguir o bem mais inestimável para a vida, a água, é causada, segundo especialistas, principalmente pela intervenção humana no ciclo de abastecimento das chamadas bacias hidrográficas. Uma bacia hidrográfica é formada por um rio principal e seus afluentes, que formam um curso por onde a água escorre e infiltra no solo, formando nascentes e abastecendo o lençol freático.

No Rio Grande do Sul, existem três regiões hidrográficas formadas pela Bacia do Guaíba, as Bacias Litorâneas e a Bacia do Rio Uruguai. Dentro destas regiões são consideradas 25 bacias hidrográficas. A região das Missões é banhada, em sua maior parte, pela Bacia do Rio Ijuí e pela Bacia do Rio Piratinim.

Mapa colorido das bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul. No canto esquerdo, abrangendo o Pampa, Fronteira Oeste e Norte do Estado está em verde a Bacia do Rio Uruguai. No centro e região metropolitana de Porto Alegre a Bacia do Guaiba, em vermelho. No litoral e metade sul, na cor amarela é representada as Bacias Litorâneas.
Mapa das bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul — Divulgação/Sema-RS

O papel das microbacias hidrográficas

O professor da Unipampa e doutor em Extensão Rural, Vinicius Piccin Dalbianco, explica que além das bacias hidrográficas, é preciso levar em consideração as ações realizadas nas microbacias hidrográficas, cursos de água com até 10 mil hectares, ou seja, 100 km² de extensão.

Segundo o especialista, são as microbacias que abastecem os rios e as ações realizadas em cada uma delas têm influência ao longo de toda uma bacia hidrográfica. Dalbianco afirma que existem dois fatores associados às secas e à redução do nível dos rios: um são as mudanças climáticas e eventos como o La Niña e El Niño, o outro são práticas agrícolas não conservacionistas.

A falta das chuvas e a diminuição dos índices pluviométricos não são os únicos fatores que geram situações como as vistas no Rio Icamaquã, em Bossoroca, no último mês. “Quanto mais intenso for o uso do solo, com menos práticas conservacionistas, maior vai ser o impacto na redução de disponibilidade de água”, complementa Dalbianco.

De acordo com o professor da Unipampa, a agricultura e a forma de utilização e intervenção no solo têm grande influência sobre os rios, em especial, por conta do seu efeito na reposição do lençol freático. “Dentro das práticas agrícolas inadequadas está a drenagem dos banhados e fontes de água nas lavouras, pois elas são reconhecidas como fontes de reposição de água dos lençóis freáticos”, explica.

Enfrentamento da estiagem passa por políticas públicas

Dalbianco cita a necessidade de pensar em políticas públicas de modo conjunto, até porque os rios não seguem os limites dos municípios e, por isso, práticas de preservação precisam ser pensadas a nível regional e também estadual. “Há uma necessidade de quando falamos em qualidade de água, de pensarmos em ações combinadas”, acrescenta.

O professor lembra do Programa RS Rural, uma iniciativa da Secretaria de Abastecimento do Estado do RS entre os anos de 1997 e 2005 que buscava mapear a situação das bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul e estimular práticas agrícolas sustentáveis.

Atualmente, o governo do Estado tem entre os objetivos do Programa Avançar na Agricultura, a construção de cisternas e de estruturas de reserva de água para a irrigação. Apesar disso, Dalbianco destaca a necessidade de investir também no desenvolvimento de trabalhos de redução da contaminação da água nas microbacias hidrográficas e na sua preservação.

Outro grande problema que afeta os rios é a destruição das matas ciliares e práticas como o revolvimento do solo, que causam a compactação do solo, geram o assoreamento dos rios e a redução de nascentes de água. “A manutenção dessas matas ciliares colabora para a redução de sedimentos que chegam até o lençol freático e permite a infiltração da água”, complementa Dalbianco.

Áreas de preservação permanente

Foto colorida de lancha em rio na parte baixa da imagem. Nas margens aparecem várias árvores e um céu com nuvens na parte superior da imagem.
Matas ciliares garantem proteção aos rios — Imagem: wirestock/Freepik

O especialista ressalta a importância do cuidado com as chamadas Áreas de Preservação Permanente, protegidas pela Lei n. 12.651/2012, que determina a proteção da vegetação nativa e busca preservar os recursos hídricos, a paisagem, a biodiversidade, proteger o solo e assegurar o bem-estar das comunidades.

Quando áreas de preservação como as próximas aos cursos de água são destruídas, os efeitos são sentidos em diferentes escalas, como, por exemplo, na busca por fontes de água. “Cada vez tem que se cavar mais profundamente para se encontrar água de qualidade e isso acontece por conta da exclusão das fontes de reposição do lençol freático, pois a água infiltra menos no solo e reduz o nível do lençol”, detalha Dalbianco.

De acordo com o docente, o cuidado com as áreas de preservação permanente precisa ser constante, caso contrário, “mesmo em período de normalidade de chuva, no caso de uma microbacia degradada, vamos ter problemas com as reservas de água”.

A preservação das bacias e microbacias hidrográficas é essencial para evitar estiagens ainda mais severas. “Reduzir os impactos das secas passa diretamente por práticas agrícolas conservacionistas que buscam garantir solos conservados, com níveis elevados de matéria orgânica e cobertura vegetal suficiente, para que o solo seja um espaço de reservatório de água”, finaliza Dalbianco.

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Micael Olegario

Estudante de Jornalismo — Unipampa. Autor do livro Destinos Casuais. Instagram: @micael_olegario