Caminhada ao fim de tarde

Micael Olegario
3 min readFeb 3, 2022

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Nunca somos, sempre estamos — Imagem: Pixabay

Existem dias em que a rotina das telas pesa e a minha mente já não consegue mais discernir as coisas à minha volta. Nesses dias costumo sair para caminhar em busca da luz do Sol no horizonte longínquo, prestes a se retirar no fim de tarde de um dia qualquer. É uma das vantagens de se morar em uma cidade pequena, poder andar sozinho e em tranquilidade, com a companhia unicamente do vento e dos meus pensamentos, que mesmo nestes momentos não cessam de borbulhar.

Vejo as cores do céu passando do azul ao laranja e por fim ao roxo escuro da noite que se avizinha. Observo a Lua assumir seu posto como o astro luminoso principal no firmamento, e é justamente nela que o meu olhar se demora. Quando estou caminhando com a Lua sobre mim, começo a lembrar de tantas coisas, memórias da infância e adolescência, memórias do verão anterior, dos invernos e primaveras que já pude vivenciar.

Caminhando ao fim de tarde ouço o vento passar, lembro daquele velho poeta que só de ouvir o vento diz que vale a pena ter vivido, e confesso que nesse instante concordo com ele. Não que a vida seja simples e leve assim, pelo contrário, ela é dura, amarga e fria em diversos momentos, mas ouvir o vento passar ajuda a aliviar a sensação de esgotamento em meu peito e minha alma. E são tão poucas as coisas que fazem isso hoje em dia, e tantas as cargas depositadas em nossos ombros.

Quando se principia uma graduação e se inicia a entender a diversidade de teorias, ideias, conceitos sobre a realidade, e a imensidão de leituras e livros a serem estudados, a sensação que tenho é ao mesmo tempo de curiosidade e ansiedade por conhecer tudo isso. No entanto, junto com essa sensação vem também uma constatação, mais uma sobre a ausência de sentido em tantas coisas e sobre a diminuta razão de minha existência. Não sou ingênuo ao ponto de imaginar que um dia consiga estudar tudo, mas se me for concedida a dádiva de saber ao menos um pouco, como diria um célebre filósofo, trocaria tudo que sei pela metade do que ignoro. É este tipo de sonho utópico que tenho caminhando ao fim de tarde.

Sobretudo, no auge de minha ingenuidade, durante minhas caminhadas anseio por tentar mudar o mundo, desejo que meu conhecimento sirva para alguém. Todavia, talvez isso seja apenas um reflexo do mundo pós-moderno que me compele a buscar agir sobre a realidade em busca de uma satisfação pessoal de utilidade social.

Acontece que quando estou caminhando penso tanto, em tudo e em nada, e receio que daí surjam muitas perguntas e poucas respostas. Não sei. Quem sabe no próximo passo eu mude de ideia e na próxima esquina pense diferente de agora. É possível que na próxima caminhada eu deseje outras coisas. Por enquanto, vejo a luz do Sol a se apagar no horizonte e o brilho da Lua a surgir sobre mim e essas são minhas únicas certezas. Nunca somos, sempre estamos.

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Micael Olegario

Estudante de Jornalismo — Unipampa. Autor do livro Destinos Casuais. Instagram: @micael_olegario