Um país na contramão da sensatez

Micael Olegario
3 min readOct 9, 2021

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Corte de verbas da ciência coloca em risco pesquisas no Brasil — Ilustração Gustavo Magalhães/Superinteressante

Viver no Brasil tem sido um ato de resistência nos últimos tempos. Não bastasse a pandemia de Covid-19, que já ceifou a vida de 600 mil brasileiros, sendo muitas destas mortes em decorrência da postura errática, confusa e negacionista do governo Federal, em especial do presidente Bolsonaro, durante este período. Os brasileiros ainda têm de lidar, quase que diariamente, com uma notícia de impressionar qualquer roteirista de filmes de terror. Ora é mais uma alta na gasolina ou nos preços dos alimentos, e o veto presidencial à distribuição de absorventes para mulheres de baixa renda. Agora o corte de 87% na verba para pesquisas em ciência e tecnologia no país, no que é uma verdadeira avalanche que desmorona nos ombros de uma população já tão sofrida. Em resumo, nas mãos de Bolsonaro, o Brasil parece um país na contramão da sensatez.

O estilo de governo do presidente, que precisa constantemente fazer afagos a sua base de apoio, acaba por deixar o Executivo Nacional à mercê destes absurdos e incoerências. O bolsonarismo se alimenta do caos e da balbúrdia para se sustentar, afinal de contas, é um movimento anti-sistêmico e com fortes traços autoritários. Essa corrente ideológica baseia sua atuação na construção de um inimigo, um antagonista político, ou seja, torna o debate uma luta do bem contra o mal. E os alvos do bolsonarismo desde cedo estiveram e estão muito visíveis, a começar pela esquerda, os comunistas (eles existindo ou não), os indígenas, as universidades, os cientistas, os jornalistas, as mulheres e a comunidade lgbtqia +. Só que, na prática, quem sofre com a inoperância e a falta de organização, coordenação, planejamento e políticas públicas do governo não são só esses grupos, mas todo o conjunto da sociedade brasileira.

Quem sofre com a crise econômica, com o desemprego e com a inflação nas alturas são as famílias, inclusive as tradicionais. Quem sofre com a falta de verbas para a educação, pesquisa e assistência social são também os conservadores, os evangélicos, os caminhoneiros e os demais setores que foram a base de Bolsonaro na eleição de 2018. A exceção fica por conta de uma pequena parcela da elite, os grandes exportadores e empresários que têm dinheiro em paraísos fiscais e para quem pouca importa a inflação, a miséria, a pobreza menstrual e a falta de verbas para a ciência. Para esta elite o dólar alto é benéfico, pois aumenta ainda mais seus já vultosos lucros e dividendos. E depois de mais de mil dias de governo Bolsonaro, fica cada vez mais claro que é para essa elite que Guedes, o presidente e sua ala ideológica trabalham.

É por constatar isso e outras coisas, ou simplesmente por ver faltar o pão na mesa, que milhares de brasileiros já descartam a reeleição do atual chefe do Executivo. Infelizmente, ainda há uma parcela da população ainda absorta com o canto da sereia do bolsonarismo, que oferece soluções fáceis, um mito para amar e inimigos para culpar e odiar. A extrema-direita e o bolsonarismo não vão desaparecer em 2022, mesmo com uma derrota de Bolsonaro. Todavia, faz-se cada vez mais necessário dizer o óbvio, defender a ciência, o jornalismo profissional, os direitos dos indígenas, das mulheres e as políticas públicas, para evitar que essa insensatez continue a conduzir o Brasil na contramão do desenvolvimento e da humanidade.

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Micael Olegario

Estudante de Jornalismo — Unipampa. Autor do livro Destinos Casuais. Instagram: @micael_olegario